I - INTRODUÇÃO
Este trabalho resulta de pesquisa
realizada pela Seção de Pesquisa, Acompanhamento e Avaliação de Programas
Psicossociais - SEPAP, no primeiro semestre de 2003, sob responsabilidade da
supervisora da Seção e de uma estagiária de Psicologia do Centro
Universitário de Brasília – UniCEUB, como trabalho prático de uma disciplina
do 6º semestre do curso de Psicologia e sob orientação da professora da
disciplina. O objetivo foi conhecer as repercussões advindas da não
participação da figura paterna pós-separação conjugal, sobre o
desenvolvimento escolar dos filhos. Esse tema despertou interesse por ser
área de trabalho das alunas. Foram formuladas duas hipóteses: filhos com
figuras paternas pouco participativas na sua vida escolar podem apresentar
problemas no desenvolvimento escolar ou socialização; pais separados
encontram dificuldades em participar da vida escolar dos seus filhos.
Foram entrevistados dez pais e
visitadas treze escolas, aplicando-se questionários aos professores e
coordenadores. Percebeu-se com esse estudo que a maioria dos pais
pós-separação demonstram interesse em continuar participando da vida dos
filhos e que a escola está aberta a essa participação. O tema da pesquisa é
estimulante, dando margem a vários estudos posteriores. É Importante
considerar-se as repercussões sobre o desenvolvimento dos filhos nos casos
dos pais não participativos.
Este estudo justificou-se, por se
acreditar que tem havido um movimento da sociedade no sentido de ampliar a
participação dos pais na vida de seus filhos, mesmo os pais separados,
ampliando-se para eles o papel de cuidador e educador dos filhos, junto com
as mães e com a escola. É relevante, portanto, conhecer-se a magnitude dessa
mudança e que alcance têm apresentado as escolas. Ademais, este trabalho
poderá servir no sentido de levar esse debate para as escolas envolvidas no
estudo, fazendo-as refletir sobre suas ações no caso das famílias separadas,
em que o conflito acaba conduzindo à exclusão de uma figura parental, sem que
a escola se posicione a respeito. Muitas vezes, a escola pode ver a situação como
não sendo de sua alçada e a criança é que sai prejudicada. Por outro lado,
poderá conduzir os pais separados à reflexão sobre sua forma de participação
na vida de seus filhos, bem como a equipe das SEPAFs a realizar tais
reflexões junto aos pais atendidos no SERPP.
A experiência com famílias no
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT tem
apontado para mudanças na direção de os pais apresentarem interesse em
participar mais ativamente da vida de seus filhos, de serem pais presentes,
mesmo quando os filhos vivem em companhia da mãe, que é a detentora da
guarda. Em Brasília, dá-se conta da existência de uma associação denominada
Participais que objetiva defender a manutenção da participação da figura
paterna na vida dos seus filhos, após a separação conjugal. Essa participação
seria ampliada para os cuidados em todos os aspectos, inclusive,
acompanhamento escolar, ou seja, esses pais não querem ser pais periféricos
que se limitam a pagar a pensão alimentícia e buscar os filhos para passar um
final de semana com
eles.
O UniCEUB como
instituição de ensino tem buscado fomentar projetos práticos na comunidade,
visando intervenções que possibilitem a integração teoria e prática tão
primordial à formação universitária. Por seu turno, oTJDFT, por meio
do Serviço Psicossocial Forense e de outras experiências isoladas,
tem investido em pesquisas que possibilitem melhorar a qualidade da prestação
de Serviço à clientela. Nesse sentido, foi criada em janeiro de 2001 uma
seção com a finalidade de elaborar, acompanhar e avaliar programas e projetos
psicossociais.
A troca de conhecimentos ou a soma
de saberes entre instituições como o Tribunal e os estabelecimentos de ensino
tem-se revelado de suma importância, não só para a formação acadêmica como
também pela contribuição social. Este estudo poderá servir de subsídio para
melhor conhecimento da questão da participação dos pais na vida escolar dos
filhos e possíveis repercussões sobre o desenvolvimento dos mesmos. Desta
forma, poderá fornecer elementos que propiciem mudanças na relação
escola-família.
As escolas envolvidas foram aquelas
em que estudavam ou estudaram as crianças dos pais entrevistados no TJDFT.
Portanto, foram escolas públicas e privadas do ensino fundamental.
II - REFERENCIAL TEÓRICO
A legislação brasileira,
especialmente no Estatuto da Criança e do Adolescente -ECA (Lei 8.069/1990),
de acordo com Carneiro (1990), trata desse tema, regulando as ações nesse
sentido. O capítulo IV dos direitos fundamentais da criança e do adolescente
trata do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. Com relação à
educação, o Estatuto destaca o “pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo
para o exercício de cidadania e qualificação para o trabalho”, com base nos
seguintes pontos:
I – igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado
pelos professores;
III – direito de contestar
critérios de avaliação;
IV – direito de organização e
participação em entidades estudantis:
V – acesso à escola pública e
gratuita próxima da residência.
Portanto, encontram-se aí os
deveres do Estado para com a criança e o adolescente preconizados pela
Constituição Federal. Entretanto, vale observar as nossas ruas para saber-se
que esses preceitos na prática não têm funcionado ou se concretizado. Mesmo
os que têm acesso à escola nem sempre têm condições de se desenvolver ou por
problemas sócio-econômicos ou mesmo porque ao apresentar alguma dificuldade
emocional ou mesmo de saúde nem sempre a escola ou a família, os responsáveis
pela educação, têm preparo para lidar com a mesma. Assim, advêm o
desinteresse pelo estudo e a evasão.
A criança traduzindo as crises em sintomas
A separação dos pais, como uma fase
do ciclo de vida familiar, representa uma situação que afeta e envolve todos
os membros da família, de vários modos, e também com fantasias inconscientes
de origem infantis, compartilhadas tanto pelos pais como pelos filhos, embora
com diversas possibilidades de elaboração. As mudanças deverão ser administradas,
havendo desestabilização e muito luto, necessitando ser psiquicamente
elaborado(Grandesso, 2001). Para os filhos, o progenitor que vai embora é
sentido como ausente, ou seja, morto (para o inconsciente). Na verdade,
perde-se uma parte do vínculo - a que se baseia na relação cotidiana (Soifer,
1982). Podem advir daí uma série de problemas emocionais.
Soifer (1982, p. 52) apresenta uma
lista com os diversos transtornos de conduta que podem surgir na criança,
como fobias, impulsividade, ausências, disritmias, explosões de raiva,
timidez, roubo, mentiras, conduta anti-social, genitalização precoce,
dislexia, disgrafia, dificuldade escolar em geral, enurese, insônia, dentre
outros. Estes são importantes de serem observados numa situação em que a família
passa por crise como é o caso de uma separação e a criança acaba manifestando
nestes comportamentos ou sintomas a sua maneira de lidar com a dificuldade.
Essas idéias sucintas dão apenas
uma noção da problemática relativa ao divórcio, que precisa ser considerada
ao se avaliar a situação da criança pertencente à família pós-divórcio, no
seu desempenho escolar que parece ser uma área bastante afetada por essa
crise e não se sabe que intervenções têm ocorrido no sentido de que a criança
não seja ainda mais prejudicada no seu desenvolvimento com o afastamento de
uma figura parental. Os prejuízos podem se revelar ainda maiores quando a
criança ainda pequena está em fase de adaptação escolar.
Pesquisa realizada por Ruff &
Korchin e publicada em 1964 e 1967, segundo refere Bowlby (1979), citado por
Costa e Katz (1992, p. 66) fez levantar a hipótese de que os indivíduos,
cujos pais desempenham adequadamente suas funções, provavelmente consigam
adquirir, na vida adulta, o almejado sentimento de autoconfiança. Analisando
essa hipótese vê-se que ela poderia remeter a outra hipótese: as crianças
cujos pais não desempenham suas funções poderão apresentar problemas de
autoconfiança.
Costa e Katz (1992, pp. 66/67),
apresentam um resumo com algumas funções do pai, das quais podem-se destacar
as seguintes:
1. Ajudar o filho a separar-se da mãe, evitando que a relação simbiótica
que os mantém unidos desde o nascimento não se prolongue demasiadamente, pois
se isso ocorrer, a criança não irá individualizar-se da mãe. No entanto, é
ressaltado que esta relação simbiótica inicial é considerada, por grande
parte dos autores, como uma fase normal do desenvolvimento na medida em que a
mãe faz parte do ambiente natural (biológico) da criança.
2. Permitir à criança, com sua presença ativa, observar as diferentes
características existentes entre as figuras parentais, possibilitando a
entrada na situação edípica (o complexo nuclear das neuroses).
3. Oferecendo-se como modelo de identificação masculina para o filho do
mesmo sexo, e exemplo de companheiro para a menina, o que ajuda os filhos a
estabeleceram as diferenças de sexo e de geração que mais tarde
possibilitarão a consolidação de uma identidade sexual definida.
Ao desempenhar adequadamente essas
funções, o pai contribui, então, para que a criança tome consciência do seu
lugar na família e se oriente, de forma realista para o futuro e para o seu
papel na sociedade. Tudo isso porque ela será separada e individualizada como
resultado desse desempenho dos pais.
Um dificultador à participação da
figura paterna na vida do filho, não só escolar, mas em outros aspectos, é a
cultura de que aquele pai que detém a guarda é quem tem os deveres e direitos
sobre o mesmo. Assim, segundo Carneiro (1990), quando no Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), parágrafo único, do inciso V do art. 53 está previsto
que “É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico,
bem como participar da definição das propostas educacionais”, via de regra,
quem participa é a figura parental detentora da guarda.
E, quanto a quem detém a guarda,
diz o ECA no art. 33: “A guarda obriga à prestação de assistência material,
moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o
direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.” Essa cultura tem mudado
gradualmente havendo já manifestações das figuras paternas no sentido de
manter a participação ativa na vida do filho após a separação, inclusive com
associações formais no país, nessa direção. Entretanto, mudanças são lentas,
sobretudo quando há leis que não prevêem guarda compartilhada, e vigora
assim, o que na prática tem funcionado tradicionalmente (guarda
monoparental), muito embora algumas famílias brasileiras já tentem fazer
diferente. Nesse sentido, é importante estudar-se se essa tentativa de
mudança também está presente na participação do pai na vida escolar do filho
ou se ele tem se acomodado à forma tradicional da família pós-separação
funcionar, relegando sua participação na vida do filho a segundo plano, deixando
a mãe com essa incumbência.
Segundo Cerveny (1967), têm
ocorrido mudanças nas funções paternas, sendo mais marcantes as seguintes:
cuidar da educação dos filhos, cuidar da organização da casa e dar suporte
emocional à família. A autora ressalta que estes são aspectos que denotam que
em muitas famílias o homem está assumindo novos papéis, apesar de a sua
participação ainda ser significativamente inferior à da figura materna.
Cerveny continua dizendo que na rotina dos jovens casais, foi possível
observar que a maior parte (63%) distribui as tarefas domésticas de forma um
pouco mais igualitária do que outros casais em outras fases do ciclo de vida
da família. Pondera ainda que talvez esses dados mostrem sinais de
transformação dos papéis das famílias do final do século XX.
Se no seio de uma família casada o
papel de educar os filhos continua, mormente como função da mulher, como
estaria essa questão nas famílias pós-separação? Esse é um tema relevante e
instigante numa sociedade que está em processo de mudança de papéis. Será que
em função dessas mudanças os homens têm assumido realmente um papel mais
ativo na educação dos filhos e, sobretudo, acompanhando a vida escolar dos
mesmos? E os pais separados atendidos no SERPP, estariam participando mais
ativamente na educação de seus filhos, mesmo não os tendo em sua companhia?
Conhecer os movimentos da sociedade
na direção de mudanças nos papéis é fundamental até para se ganhar em termos
qualitativos na educação formal. Como a escola tem lidado com a ausência de
participação dos pais na vida escolar dos filhos? Será que a escola, no seu
papel de formar cidadãos, também não tem um papel de lidar com essa questão
onde um dos pais, após a separação conjugal, fica alijado do processo de
participação na formação de seu filho, na medida que não tem acesso ou passa
a não participar da vida escolar dos filhos? Que formas poderiam encontrar a
escola para obter maior participação desses pais, beneficiando e
desenvolvimento da criança e também o desenrolar das atividades escolares?
Segundo Marini e Mello (1999), a
relação família-escola é, hoje, tema em destaque na discussão sobre a
garantia do sucesso dos alunos na escola. Freqüentemente, ouve-se dos
professores que o apoio da família é essencial para o bom desempenho do
aluno, porém, muitas vezes essa expectativa de ajuda torna-se fator de
acusação, atribuindo-se à família toda a responsabilidade pelo mau desempenho
escolar da criança. Quando se trata de crianças provenientes de classes
populares – maioria da população que sofre o chamado fracasso escolar – há de
se reconhecer que um modelo de família e de relacionamento entre pais e
filhos é tomado como parâmetro.
Sem conhecer realmente os motivos e
dinâmicas das classes populares, os profissionais da escola acreditam, muitas
vezes, que os alunos vão mal porque suas famílias são
"desestruturadas" ou, ainda, porque seus progenitores não se
interessam pela vida escolar da criança. Manifestações como "os pais das
crianças que precisam não vêm às reuniões e nem querem saber como estão seus
filhos" podem ser exemplos de como essa relação muitas vezes se
estabelece. É preciso se pensar em que medida a escola mantém a situação,
aceitando essa falta de participação ou acreditando que a família passa por
dificuldades e que é preciso entender-se a não participação como uma fase.
Que medidas ou atitudes adotam a escola diante da não participação do pai? É
fundamental pensar-se que a vida é dinâmica e que os efeitos que advierem
dessa fase poderão não ter solução mais tarde. Portanto, se o pai deixa de
participar da vida do filho em decorrência de conflitos resultantes da
separação, a criança poderá ser afetada no seu desempenho escolar. Segundo
Costa e Katz (1992) “... estudo cuidadosamente delineado de crianças de
Jardim de Infância mostra que o fato de ter um único dos pais, por
conseqüência do divórcio, pressupõe uma competência escolar e social
significativamente mais baixa ao entrar na escola, independente do padrão
socioeconômico.”(p. 195)
Mas, o que têm os pais de crianças
de baixo desempenho na escola ou mesmo com problemas comportamentais ou
emocionais a dizer sobre os motivos que os levam a não participar da vida
escolar dos seus filhos? Quais são as perspectivas que esses pais têm em
termos dessa participação? Que impedimentos eles encontram para conseguir
participação? Quais são suas maneiras de ver a sua participação e conviver
com suas crianças, especificamente no que se refere à sua escolarização e de
maneira geral? Algumas dessas questões guiaram o estudo de Marini e Mello
(1999) das quais emprestam-se aqui algumas idéias para enriquecer a reflexão
sobre as possibilidades e importância desse estudo. Acredita-se ser preciso
conhecer a perspectiva do pai não participativo antes de culpá-lo pelos
insucessos ou mesmo problemas emocionais e desenvolvimentais do(s) filho(s).
III -
METODOLOGIA:
Sujeitos
Dez pais pós-separação e seus
respectivos filhos, que estudavam no ensino básico.
Local
Escolas públicas e privadas
designadas pelos pais no ato da entrevista.
Material
Carta às escolas;
- Um questionário dirigido ao pai;
- Dois questionários aplicados na
escola - Professor e coordenador pedagógico;
- Autorização do pai ou da mãe da
criança;
- Prancheta;
- Caneta;
- Lapiseira.
Instrumentos
- Corpo docente;
- Coordenadores pedagógicos;
- Pastas dos atendimentos das
famílias no TJDFT;
Procedimento
A pesquisa foi realizada em três
etapas: na primeira, abordaram-se os pais separados conjugalmente que haviam
passado recentemente por processo na Justiça em função de alguma demanda
relacionada ao(s) filho(s), realizando-se entrevista estruturada. Numa
segunda etapa, foi feito contato com a escola dos filhos desses entrevistados
mediante autorização dos pais, e realizada entrevista semi-estruturada, com
professores e coordenadores pedagógicos, ocasião em que se entregou à direção
da escola uma carta esclarecendo sobre a pesquisa. Na última etapa, foi
elaborado o documento final com a leitura teórica dos resultados da pesquisa.
Inicialmente, utilizaram-se as
pastas dos casos das famílias em atendimento no TJDFT para selecionar os pais
a serem entrevistados.
Foram utilizados três questionários:
1º- aplicado ao pai, conjugalmente separado e que estava com processo na
Justiça por Guarda ou Regulamentação de Visitas aos filhos (esse questionário
foi aplicado no Serviço Psicossocial Forense, do TJDFT); 2º- aplicado aos
professores de cada criança, cujos pais responderam ao questionário no
referido Serviço, e 3º- aplicado aos coordenadores pedagógicos.
Após a aplicação dos questionários
aos pais, foi solicitada a autorização do pai ou da mãe da
criança para se contatar a escola.
Foi feito contato com a
escola solicitando também autorização para entrevista com a
professora. Por último, foi preenchido um questionário pela
professora e outro pela coordenadora escolar.
Após a análise dos dados foi
elaborado um documento final que, posteriormente, seria encaminhado às
escolas e aos pais entrevistados. Com isso, esperava-se contribuir com a
melhora das relações familiares, do desempenho das crianças e da relação
escola-família.
Além desses, foram desenvolvidos os
seguintes procedimentos:
1. Foram cruzados os dados do questionário dos pais com os aplicados na
escola;
2. Analisaram-se os dados
(qualitativa e quantitativamente), buscando encontrar a existência ou não
dessa influência;
3. Trabalharam-se os dados
teoricamente;
4. Devolveram-se os resultados à escola e aos entrevistados por meio de
um relatório.
IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise dos dados foi realizada
em duas etapas: elaboraram-se tabelas para se tabularem os dados
quantitativos de cada pergunta fechada dos três questionários; registrou-se a
transcrição das perguntas semi-abertas, fazendo-se o levantamento de
indicadores, baseada na proposta interpretativa de González Rey (1997; 1999).
Segundo o autor, “um indicador representa uma construção capaz de produzir um
significado através da relação que o investigador estabelece entre um
conjunto de elementos que, dentro do contexto do sujeito estudado, permitem
formular uma hipótese que não guarda relação direta com o conteúdo explícito
de nenhum dos elementos tomados separadamente”. (González
Rey, 1999, pp.114 e 115).
Em função do limitado período de
realização da pesquisa, não ocorreu uma interpretação aprofundada dos dados,
apenas uma aproximação inicial da proposta do autor. Contudo, entende-se que
a análise ora apresentada possibilita algumas reflexões acerca do tema.
Finalmente, foi realizada a
interpretação dos temas encontrados, sendo interpretação entendida como um
momento de construção teórica, o diálogo do pesquisador com o material obtido
(González Rey, 1999).
O foco desta pesquisa foi o estudo
das influências da não participação da figura paterna pós-separação conjugal,
sobre o desenvolvimento escolar dos filhos. Considerou-se ser importante,
nessa discussão, mostrar ao leitor alguns dos resultados alcançados, uma vez
que não era propósito desse trabalho apresentá-los na íntegra.
Dentre as dez entrevistas com pais
separados conjugalmente, atendidos nas SEPAFs Centro, Norte e Sul, seis
tinham um filho, dois tinham três, um pai possuía quatro filhos e um tinha
dois filhos, perfazendo um total de dezoito crianças.
As dezoito crianças e adolescentes
estudavam em escolas diferentes, tendo os pais informado o endereço após autorizar
a visita das pesquisadoras à escola. Foram visitadas 13 escolas. Dentre
estas, oito foram escolas públicas do Distrito Federal, quatro foram escolas
particulares e uma foi escola estadual, em Valparaíso-GO.
Os resultados das quatro primeiras
questões do questionário aplicado ao pai acerca da sua participação na vida
escolar do filho (as atividades propostas pela escola, as festividades
ou comemorações, a obrigação de levar e buscar o filho na escola, o
acompanhamento do filho em suas tarefas escolares), mostram que,
em relação às atividades escolares e comemorações da escola, a participação
tem sido significativa e, quanto à obrigação de levar e buscar o filho na
escola e acompanhar as suas tarefas, apenas metade dos filhos tem conseguido
essa participação de seus pais.
Imposição
de limites aos filhos
Uma das questões diz respeito às
atividades em que o pai participa da vida do filho. O primeiro tema que
apareceu nas entrevistas dos pais refere-se a limitesaos filhos
como uma das formas de participação na vida deles de maneira geral. Assim,
por exemplo, um dos pais salientou que: “procura corrigir falhas
(mentiras)” Em relação a esse tema, Prado (1996) refere que à família
caberia desenvolver as necessidades emocionais básicas e dentre elas, a noção
de limites, pois a falta destes, estrutura a conduta onipotente. E acrescenta
a importância do ambiente familiar no sentido de satisfazer as necessidades
de disciplina, como uma das prioridades básicas do indivíduo.
Vale ressaltar, que ao contrário do
pai acima referido, que frisou como uma das suas formas de participação a
imposição de limites, houve o caso de um outro pai que não apresentava
participação na vida escolar e em outros âmbitos da vida do filho e já havia
registro de problemas de desatenção e indisciplina (“não realiza as
tarefas”; “não pára quieto, além de ser visto como uma criança descuidada”).
Embora não se possa pensar de forma linear que uma questão levaria à outra,
pode-se fazer a hipótese de que a não participação do pai tem levado esta
criança a enfrentar dificuldades. Cabe acrescentar que um fator coadjuvante
aí foi a referência por parte da escola de que a mãe também era ausente.
Portanto, haveria aí uma total falta de participação das figuras parentais.
Transmissão
de valores familiares
O terceiro tema referente à
participação do pai é a vida religiosa, o que se traduz por transmissão
de valores. Nas entrevistas aparece referência a “fazer as
orações à noite”. Soifer (1982) trata desse tema afirmando que a
cultura de uma família alimenta-se através das normas que recebe da sociedade
a que pertence e ao mesmo tempo exerce igualmente influência sobre a mesma.
Já Salvador (1999) aborda o tema expressando que a paternidade é um processo
complexo e difícil e, ao mesmo tempo, é crucial ao desenvolvimento do
indivíduo. Pode-se dizer que para tornarem-se pais de forma adequada e
satisfatória, é necessário transmitir valores positivos na vida familiar, o
que tem sido buscado por alguns dos entrevistados. Essa transmissão de
valores é, portanto, também uma forma de o pai realizar a educação informal
de seus filhos.
O lazer
como forma de manter o vínculo
O lazer foi
referido pelos pais, como meio de participação na vida dos filhos, de maneira
geral. Esta parece ser uma das formas encontradas por eles para garantir a
preservação do vínculo pai-filho. São exemplos de fala em que essa idéia
aparece: brincam juntos; vão a filmes, viajam juntos; fazem refeições
todos juntos; sai para passear, vai ao shopping, almoça em datas festivas ou
lancha nos finais de semana. Acerca desse tema, Salvador (1999)
refere que: os pais competentes mostram interesse pelo mundo de seus filhos
compartilhando, assim, do mundo deles, demonstrando, assim, a sua
receptividade às diversas fases de desenvolvimento dos mesmos. Bradt, (em
McGoldrick 1995) defende que ser progenitor é o resultado psicológico e
social, sendo mais que um vínculo entre duas gerações. Neste contexto, pode
surgir a intimidade, que é um relacionamento carinhoso sem fingimento, uma
revelação sem risco de perda ou ganho por qualquer uma das partes. É uma
elaboração discriminante, encorajadora, que cria e sustenta o sentimento de
pertencer a, ao mesmo tempo em que percebe a singularidade de cada indivíduo.
A intimidade é a energia sustentadora do movimento humano através do tempo.
Dificuldades apresentadas pelos filhos no contexto escolar
A respeito das dificuldades
apresentadas, segundo a visão do corpo docente, os filhos dos entrevistados
não apresentaram, significativamente, problemas em termos da socialização e
da aprendizagem.
Sobre a necessidade de
encaminhamento dos alunos que apresentaram problemas, para tratamento
especializado, somente uma escola referiu ter encaminhado um dos alunos que
fez parte desse estudo.
Ademais, uma coordenadora afirmou
não poder ser enfática quanto às causas das dificuldades apresentadas pelos
alunos. A seu ver, elas podem ser multifatoriais e que mesmo crianças com
famílias estruturadas têm apresentado problemas, havendo também filhos com
pai ausente na escola que não apresentam problemas escolares. Uma outra
escola tem a visão de que nem sempre a não participação dos pais traz efeitos
negativos à formação dos filhos. Isso foi justificado da seguinte forma: “As
experiências demonstram que nem sempre família ‘estruturada’ é sinônimo de
boa estrutura do filho”. Isso traria, portanto, certo relativismo
acerca da influência familiar sobre a estruturação dos filhos, retirando-se a
visão de causalidade linear.
É difícil pensar-se, contudo, na
inexistência de efeitos negativos sobre a formação da criança ou do
adolescente, advindos da não participação de uma das figuras parentais. Isso
porque dez escolas consideram que há diferença entre a participação dos pais
de famílias intactas e famílias pós-separação; enquanto apenas duas não vêem
diferença e uma acha ser relativa. Sobre essa questão, Soifer (1982) listou
uma série de transtornos de conduta que podem surgir na criança, como fobias,
impulsividade, ausências, disritmias, explosões de raiva, timidez, roubo,
mentiras, conduta anti-social, genitalização precoce, dislexia, disgrafia,
dificuldade escolar em geral, enurese, insônia, dentre outros.
Em relação aos problemas
apresentados pelos filhos desses entrevistados que tinham participação
esporádica na sua vida escolar, viu-se que um deles apresentou,
eventualmente, problemas de socialização, de tristeza, agressividade, choro,
desmotivação e queda no rendimento escolar. Outro mostrou problemas de
aprendizagem, falta de concentração e carência afetiva. Cabe ressaltar que
tais problemas foram apontados pelos professores após suas observações,
entretanto, não se tem diagnóstico confirmado.
Os filhos dos entrevistados, em seu
conjunto, apresentaram ou apresentam ainda problemas como hiperatividade,
retraimento, tristeza, agressividade, isolamento, ansiedade, choro, falta de
concentração, carência e desmotivação, segundo a visão do corpo docente. Já
na visão das coordenadoras escolares, há ainda problemas como carência
afetiva, comportamento inadequado, agressividade e baixo rendimento escolar.
Não se sabe, entretanto, em que medida esses problemas decorreram da não
participação dos pais, ou da crise familiar resultante da separação do casal.
Essa crise, segundo os teóricos da terapia familiar, pode durar de um a seis
anos, portanto, esses problemas podem perfeitamente ainda decorrer da
separação e não só da não participação dos pais. Isso principalmente no caso
de tratar-se de um adolescente, pois nessa fase o seu processo psicológico é
mais complexo, sendo preciso ser mediado pela dinâmica dos papéis de homem e
mulher na família e na sociedade.
Ainda sobre os efeitos
negativos da não participação dos pais à formação da criança, as
coordenadoras escolares refletiram que os alunos devem ser vistos como
sujeitos, em sua integralidade. Assim, houve coordenadoras que frisaram a
importância do referencial familiar e da participação, para se ter uma
auto-estima fortalecida; o estímulo como conseqüência da participação
positiva dos pais; a necessidade da participação dos pais no contexto
escolar. É inegável que os filhos se sentem estimulados a prosseguir
em seus avanços no desenvolvimento na medida em que percebem seus pais
interessados em seus progressos. Isso, certamente, contribui para o
desenvolvimento da auto-estima. Sobre essa questão, Salvador (1999) acentua
que para assegurar o bem-estar dos filhos, os pais devem ser sensíveis às
necessidades emocionais e sociais deles, mesmo que haja manifestação radical
no transcurso do seu desenvolvimento. Assim, os pais devem dar suporte à
função educativa da escola como também em outros contextos nos quais os
filhos participam.
Ainda sobre essa mesma questão, as
coordenadoras falam dasconseqüências da separação mal resolvida na vida
dos filhos e as conseqüências observadas na escola. Uma delas
salientou: “Quando não bem resolvida a separação entre os pais, na
maioria das vezes, a criança acaba sofrendo as conseqüências e apresentando
até dificuldades de aprendizagem.” Sobre esse assunto, segundo
Glasserman (1996), neste tipo de casais o que prevalece é o conflito como o
resto de uma relação amorosa ao invés do cuidado e preocupação com os filhos.
Analisando as respostas das
coordenadoras, é possível se questionar em que medida não existe um
estereótipo por parte da escola em relação aos alunos, filhos de pais
separados, que são vistos como desinteressados, com freqüência
irregular, indisciplinados e com problemas de aprendizagem. Uma visão que
se pode ter a esse respeito, conforme frisaram outras duas coordenadoras, é
que não seria somente o fato de serem filhos de pais separados que os levaria
a apresentar tais dificuldades. Talvez fosse interessante analisarem-se
outros fatores e possivelmente um deles seja exatamente a falta de
participação do pai na vida escolar desses filhos. Sawaia (2000) apresenta uma
idéia fundamental acerca do estereótipo. Segundo ela, há uma dramática
análise da violência cometida contra jovens das camadas populares, na cidade
de São Paulo, apontando que a impunidade que acoberta tais crimes é um fator
a mais na sustentação da exclusão nas grandes metrópoles, com apoio da mídia,
que cria e divulga estereótipos estigmatizadores dessa população. Acredita-se
que os estigmas relacionados aos filhos de pais separados também sejam muitas
vezes divulgados pelos meios de comunicação social.
Retomando a questão dos problemas
apresentados pelos filhos, seria importante frisar o tema da carência
afetiva, levantada pela coordenação de uma escola, a qual seria “externalizada
na sala de aula através de comportamentos inadequados, agressividade, baixo
rendimento e muitas vezes o professor teria que suprir totalmente esta
carência.” Sobre esse assunto, Prado (1996) diz que a carência
mobiliza mecanismos adaptativos que desconectam a pessoa dos objetos e das
situações de aprendizagem. Assim, uma família que não consegue organizar os
requisitos básicos de suas necessidades emocionais pode levar a criança e o
jovem a não apresentarem as condições necessárias a uma boa adaptação à
escola e à vida. Quando a família não consegue isso, a escola, na pessoa do
professor, acaba assumindo esse papel, conforme frisou uma coordenadora.
Nesse sentido, haveria uma transferência do papel da família para a escola.
Entretanto, na concepção de Prado
(1996), essa tarefa poderia ser englobada no papel do professor, que deveria
ter flexibilidade, criatividade e auto-estima regulada para que pudesse
propiciar o desenvolvimento da criança e do adolescente, contribuindo para a
solução de problemas como transtornos de conduta, ansiedade de separação,
fracasso escolar, ansiedades fóbicas e outras. Nesse sentido, percebe-se que
a escola tem ampliado seu papel dando importância à promoção de saúde mental.
Participação
esporádica do pai
Um outro tema nos conduz à participação
esporádica do pai, como, por exemplo, “Almoça e vão a shows
de vez em quando.”, conforme relatou um dos pais. A esse respeito,
diz Wagner (2002), citando Carter (1996) e Felippi (1997) que: “... uma das
maiores dificuldades masculinas no pós-divórcio relaciona-se a se manter
vinculado aos filhos, física e emocionalmente.” (p. 44/5). Dos pais
entrevistados, constatou-se que dois afirmaram não ter condições de
participar mais e um outro expressou sua participação, porém, na escola
constatou-se sua falta de participação.
Ainda acerca desse tema, McGoldrick
(1995), citando Hetherington,1997, Wallersstein & Kelly, 1980, Rice &
Rice, 1986, refere que os filhos têm a necessidade do contato continuado com
ambos os pais, devendo ter o mesmo sentimento de apoio por parte de cada um.
A hipótese que se pode fazer a esse respeito é de que a dificuldade
relacional entre os pais, decorrente da separação, pode ainda estar
interferindo no papel parental e, portanto, impedindo que os filhos tenham
acesso livre ao pai.
Os pais fizeram alguns comentários
sobre essa participação esporádica na vida escolar dos seus filhos, dos quais
podem-se destacar os seguintes: “o que impede mais a presença é o horário
de trabalho; faz reclamações quando necessário; tem participado sempre que vê
dificuldades na vida escolar dos filhos.” Viu-se que esse pai que
expressou essa dificuldade em conjugar o horário de trabalho com a presença
mais constante na vida escolar do filho, estava em uma fase de readaptação à
realidade de tê-lo morando consigo há apenas dois meses. Acerca dessa
questão, Brown (Em McGoldrick, 1995), afirma que as famílias com progenitor
sozinho relacionam a dificuldade de disciplinar e educar os filhos num
momento em que a pessoa está se reestruturando emocionalmente.
Pais não
participativos
Ao analisarem-se as respostas do
questionário aplicado aos professores das crianças e adolescentes,
percebeu-se que a questão da não participação do pai era
presente em oito casos, sendo que um desses pais tinha três filhos sob sua
responsabilidade e participava ativamente de todas as atividades da vida
deles, não ocorrendo o mesmo apenas com uma criança que vivia com os avós
maternos.
Ainda acerca da não
participação do pai, a Figura 1 (a seguir) acaba confirmando o número de pais
não participativos na medida em que mostra a freqüência de comparecimento dos
mesmos à escola. Sobre esse tema, Salvador (1999) fala do interesse dos pais
pela escolarização como sendo um indicador da sua preocupação pelo presente e
pelo futuro dos filhos. Ademais, a participação do pai pode oferecer caminhos
que façam seu filho ir mais além de onde está, dentro de algumas normas
estáveis e flexíveis, criando, desta maneira, zonas de desenvolvimento
proximal para seu filho. Nossa crença, conforme frisamos anteriormente, é de
que o pai separado conjugalmente também pode se fazer presente na vida
escolar do filho, mesmo que este não viva com ele. Isso seria possível na
medida em que ele pode, por exemplo, acompanhar o calendário de atividades ou
telefonar regularmente para a escola, e participar das programações como o
fazia na época de casado, revelando para o filho a continuidade de seu
interesse pelo seu desenvolvimento, apesar de viverem em casas separadas.
Ação da
escola na ausência da figura paterna
A ausência da família foi
outro tema que surgiu. Segundo Prado (1996), ospais ausentes são
aqueles que enfatizam mais as atividades extra-familiares em detrimento da
satisfação das necessidades básicas de seus filhos. Estes pais encontram-se
pouco com os filhos, comunicam-se precariamente, não havendo noção de limites
e de rotina familiar. Eles, em geral, não controlam a escolaridade de seus
filhos, e mesmo quando chamados pela escola, não comparecem. No questionário
da escola, a coordenadora referiu: “Geralmente são chamados à escola, mas
não comparecem.” Cabe ainda lembrar que houve pais que referiram não
poder ser mais presente na vida escolar do filho devido ao trabalho.
Sobre as atitudes da
escola em relação aos pais não participativos, uma escola enfatizou que
pelo fato de os pais não participarem, convocam a mãe: “Nós chamamos a mãe
quando detectamos o problema e acompanhamos a criança juntamente com a mãe
e/ou alguém da família.”. Essa questão é tratada por Wagner (2002), que
afirma que durante muito tempo, a maternidade foi considerada como principal
função da mulher, não só pelo fato de ela gestar como também criar e educar
os filhos.
Entretanto, entre os pais que
têm dificuldade em participar na vida escolar dos filhos, algumas
escolas têm encontrado formas para contatá-los ao invés de chamar a
mãe a exercer esse papel tradicional, obrigando, assim, o pai a exercê-lo
também. Foram ressaltadas algumas maneiras de se fazer esse contato: “Entra
em contato por meio de telefonemas e reuniões individuais e também por meio
de eventos”; entramos em contato via agenda, bilhete, convocação, telefones e
até visitas, se possível.”
Um aspecto que aparece nos
questionários da escola ainda acerca dos pais não participativos é que a
escola tenta trazer esse pai por meio do aluno, qualificando como positiva
essa atitude: “e principalmente pela relação de confiança com o
aluno. Integra-se bem o aluno nesta busca.” Seria importante refletir-se
sobre essa alternativa visto que o aluno acaba em um papel de mediador entre
a escola e o pai, o que pode acabar sobrecarregando-o com atribuições que não
seriam próprios à sua idade. Portanto, se o aluno assume papéis que não lhe
cabem, isso pode confundir ou tumultuar o seu processo desenvolvimental.
A prática com famílias na Justiça
tem mostrado que um problema comum enfrentado pelos filhos pós-separação dos
pais é a triangulação na relação conjugal, onde ele acaba servindo como
intermediário dos conflitos. É comum que ambos os progenitores enfrentem
dificuldades para realinharem as relações e muitas vezes precisam chamar
outros membros da família para ocuparem papéis que estão vazios. Neste
sentido, Brown (em McGoldrick, 1995) diz que: Os triângulos temporários que
podem ter incluído um filho, uma avó ou um pai na posição vazia percebida na
hierarquia têm a tendência de solidificar-se, criando sintomas ou disfunção
em um ou mais membros da família. Assim, a escola estaria perpetuando uma
tendência de funcionamento que a família descasada já possui. Seria
importante, segundo Desidério (1987), que a criança ou o adolescente, para
alcançar o equilíbrio psíquico-físico-emocional, não tenha exigências
superiores ao que ele pode dar.
Papel da
escola
Em se tratando do papel da
escola numa tarefa integradora, as coordenadoras frisaram a
importância da participação dos pais para o desenvolvimento dos filhos
e referiram-se à atitude adotada quando é percebido que o pai não é
participativo. Alguns pontos foram ressaltados, como a necessidade
da integração família-escola. A respeito do papel da escola, diz
Salvador (1999) que a ação educativa entre a família e a escola deve ser
compartilhada. Conhecer a criança é um privilégio das relações
professores/progenitores, não podendo ser interpretado em uma perspectiva
unidirecional. A escola precisa, então, ter informações sobre a rotina de
vida das crianças e dos jovens, assim como os pais precisam obter informações
sobre como estão e como atuam os seus filhos na escola. Esse conhecimento
mútuo, essa complementaridade, é condição indispensável para se estabelecerem
critérios educativos comuns.
Salvador (1999), ao tratar do tema
família e escola como contextos de desenvolvimento, fala da importância de se
examinarem esses dois contextos nos quais o crescimento pessoal do indivíduo
torna-se realidade. Neles, as crianças e os adolescentes assumem um papel de
interação e participam de padrões de conduta cada vez mais complexos,
incorporando, aos poucos, elementos próprios da sua cultura, à medida que
encontram pessoas que os orientem, deixando-os participar e acompanhando-os
na aquisição de sua autonomia. Portanto, uma reflexão que se pode fazer,
neste momento, é que essas escolas têm cumprido o seu papel dentro de uma
visão atual da psicologia da educação, vendo seu aluno de forma integral.
Outro recurso que a escola procura
é a mediação, o que aparece na fala seguinte: “buscando
juntos mediações para trabalhar as situações, para andamento do
processo.“ Sobre esse tema, Haynes e Marodin (1996) definem o
processo de mediação como: “a condução das negociações de outras pessoas e o
mediador é o administrador das negociações, é quem organiza a discussão das
questões a serem resolvidas.” (p. 11). Nesse sentido, entende-se que a escola
exerce um papel positivo a fim de conseguir entendimentos que favoreçam a
participação do pai na vida escolar do filho.
Ao final dessa análise, a primeira
hipótese inicialmente formulada de que filhos com pais pouco participativos
na sua vida escolar podem apresentar problemas no desenvolvimento escolar ou
de socialização, foi verdadeira em alguns casos, uma vez que se registraram
esses tipos de dificuldades ao menos eventualmente. Isso reforça o empenho
das equipes da SEPAFs que defendem a tese sobre a importância da participação
de ambas as figuras parentais na vida dos filhos. Pelo fato de o aspecto da
escolarização e da socialização envolverem o desenvolvimento de forma mais
ampla, esta pesquisa pode contribuir na reflexão das famílias pós-separação
conjugal sobre sua forma de reorganização na garantia dessa participação da
figura paterna na vida escolar dos seus filhos. Embora seja uma primeira
análise do tema, acredita-se que as reflexões aqui contidas propiciarão novos
estudos para o conhecimento dessa temática específica.
A segunda hipótese, de que pais
separados encontravam dificuldades em participar da vida escolar dos seus
filhos, foi confirmada pois alguns deles realmente manifestaram tal
dificuldade ou a escola apontou essa falta de participação pelos vários
fatores apontados. Constatou-se que os pais detentores da guarda encontravam
mais facilidade de participação, porém não houve unanimidade. Ocorreram casos
em que a criança residia com o pai e este apresentava dificuldades em se
organizar para ser um pai mais presente na rotina escolar de seu filho.
V -
CONCLUSÃO
Nesta pesquisa, viu-se que a escola
foi fundamental na complementação do levantamento de dados, o que vem a
confirmar a importância do trabalho de redes e parcerias, com a filosofia de
que vários saberes podem se complementar. Assim, a busca do SERPP por
formação e articulação de redes e parcerias pode enriquecer e ampliar as
ações, levando à maior eficiência e eficácia do trabalho. Ademais, pode-se
perceber que as escolas, de maneira geral, qualificaram as informações
prestadas pelos pais em sua entrevista, o que demonstra uma valorização da
família do aluno no âmbito escolar.
Pôde-se perceber, também, que
existem alguns casos de escolas onde prevalece a visão tradicional de que
cabe à mãe o papel de acompanhar a vida escolar do filho. Porém, a maioria
tem buscado se adequar à nova realidade das famílias, procurando alternativas
para conseguir maior participação da família, sobretudo do pai. Entretanto,
quando não conseguem um retorno, acabam voltando ao recurso socialmente
aceito de que a mãe deveria, então continuar exercendo esse papel. Isso
aponta para a necessidade de a família continuar nesse processo de mudança no
sentido de reforçar a importância de a figura paterna ter uma influência
continuada no desenvolvimento dos filhos. O papel dos profissionais dos
Serviços Psicossociais é fundamental nesse processo.
Isso porque o fato de o pai estar
separado não significa que deve estar ausente, visto que a separação que
ocorreu foi a conjugal e pais e filhos devem manter esse vínculo para sempre,
pois aqui a relação é parental. A preservação dos vínculos é fundamental.
Muitos dos pais entrevistados já mostraram essa perspectiva, entretanto,
ainda serão necessárias mudanças sociais no sentido de ampliar as funções e
mudar os papéis. Trata-se de uma mudança cultural.
Observou-se, portanto, nesta
pesquisa, um início de mudança de mentalidade no sentido do interesse dos
pais em serem mais participativos na vida de seus filhos de maneira geral,
após a separação. Também as escolas mostraram uma mudança de concepção da
família, no sentido de vê-la de forma mais global e buscar envolvê-la nas
atividades escolares, muitas vezes até mudando as suas programações no
sentido de contemplar a participação familiar. Isto está de acordo com a
filosofia da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB).
Uma recomendação que se poderia
fazer para próximos estudos sobre o tema é de que se realizassem pesquisas
longitudinais ou transversais a fim de se analisarem as conseqüências do
divórcio sobre o desenvolvimento dos filhos. Após alguns anos, passada a
crise da separação, se reavaliasse a situação, aprofundando sobre a não
participação dos pais na vida dos filhos. Assim, seria possível superar
algumas dificuldades encontradas no presente estudo, onde não foi possível se
separarem as influências que realmente decorreram da não participação dos
pais e aquelas resultantes do divórcio.
Este estudo mostrou a existência de
uma preocupação no sentido de mudanças mais significativas na dinâmica das
famílias, que possibilitem à criança ter um convívio mais permanente e de
maior qualidade com as figuras paternas pós-separação. Assim, talvez uma
reflexão que se possa fazer é de que há uma indicação de que as famílias têm
se aproximado, na informalidade, da idéia da guarda compartilhada, no sentido
de que ambos os pais compartilhem de todas as decisões da vida dos seus filhos.
Esse tema também poderia ser aprofundado em um próximo estudo.
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