Psicologia e a Alienação Parental
A Doutora em Psicologia Sandra Baccara, presenteou nosso blog com um artigo sobre Alienação Parental.
"...Na
minha experiência clínica, encontro homens, na faixa dos 40 anos,
profissionais liberais bem sucedidos, que ao me procurarem dizem: “Dra.
eu só quero o direito de ser pai”. ..
ALIENAÇÃO PARENTAL
Dra. Sandra Maria Baccara Araújo
A
Síndrome de Alienação Parental (SAP) foi descrita por Gardner em 1985,
como sendo “Um transtorno caracterizado pelo conjunto de sintomas que
resultam do processo pelo qual um genitor transforma a consciência de
seus filhos, mediante distintas estratégias, com o objetivo de impedir,
obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor”.
Sua
função básica é destruir a confiança da criança/adolescente no genitor
alienado, através da desqualificação do mesmo, levando-a a se afastar
deste, através de atitudes de nojo, raiva ou medo.
O
genitor alienador se torna o centro das atenções dos filhos, fazendo-os
crer que ele é capaz de cuidar sozinho deles, e, que estes não
sobreviverão longe dele. Silva e Resende (2207) afirmam que “O alienador
passa em alguns momentos por uma dissociação com a realidade e acredita
naquilo que criou sozinho. E o pior, faz com que os filhos acreditem,
sintam e sofram com algo que não existiu, exprimindo emoções falsas”. A
implantação de falsas memórias na criança é parte do processo da
Síndrome de Alienação Parental.
Berenice
Dias (2007) afirma que “A criança que ama seu genitor, é levada a se
afastar dele, que também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e
destruição do vínculo entre ambos. Restando órfão do genitor alienado,
acaba identificando-se com o genitor patológico, passando a aceitar como
verdadeiro tudo que lhe é informado”.
Tal atitude traz prazer ao alienador, pois destrói aos olhos dos filhos o antigo parceiro e atual inimigo.
Gardner descreve três estágios da Síndrome:
Estágio leve – quando nas visitas há dificuldades no momento da troca dos genitores;
Estágio moderado – quando o genitor alienante utiliza uma grande variedade de artifícios para excluir o outro;
Estágio
agudo – quando os filhos já se encontram de tal forma manipulados que a
visita do genitor alienado pode causar pânico ou mesmo desespero.
Baseada
nas observações de Louzada (2008) percebo que a prática forense tem
mostrado diversos indícios que apontam para a tentativa de alienação do
filho, a saber:
Casos em que o genitor guardião revela que não impede que o genitor visitante veja o filho, mas também não o “força” a ir;
Quando
não permite ou dificulta que o outro genitor fale ao telefone com o
filho, e quando o faz geralmente delimita horários que não são
obedecidos;
Quando
“esquece” os dias de visita e sai de casa com os filhos nas datas
agendadas para visita, marca viagens ou saídas “interessantes” nestas
datas, deixando o genitor alienado no lugar do “estraga prazer” e os
filhos numa situação que pode gerar um conflito de lealdade em relação a
este;
Quando
se recusa a informar ao outro sobre doenças dos filhos, festas ou
outras atividades no colégio, ou qualquer outro fato que comporte a
presença do genitor alienado;
Quando
refere que o outro genitor não cuida bem dos filhos, não os educa, não
dá alimentação adequada, não se preocupa com sua higiene, deixa que se
machuquem;
Quando
insiste em referir-se à companheira/o do genitor/a alienado/a como
sendo pessoa que não goza de boa reputação, não merecendo o contato com
os filhos;
Quando imputa abuso sexual ao filho;
Quando tenta impingir aos filhos a idéia de que seu novo companheiro/a é seu novo pai/mãe.
Estes
processos de alienação causam nas crianças/adolescentes grandes danos
emocionais e psíquicos, pois estes se tornam um alvo claro para a
destruição do “objeto de ódio” do genitor alienante. Destruir este alvo é
a forma que o alienador encontra de “matar” a frustração pela perda
vivida, sem levar em conta o resultado final, ou seja, o dano causado
aos filhos.
Os
filhos não podem se estruturar enquanto sujeitos, uma vez que não
conseguem desejar além do desejo do alienador. Este, uma vez que não
conseguiu se diferenciar do filho alienado acredita, mesmo que
inconscientemente, que pode formar com ele uma díade perfeita. Desta
forma a criança não se individualiza e com isso não alcança o espaço do
seu desejo. Enquanto objetos de posse e controle, os filhos passam a
agir de acordo com o que o alienador lhes “impõe”.
O
resultado deste processo é um profundo sentimento de desamparo, gerando
por parte da criança/adolescente um grito de socorro que não é ouvido.
Uma vez que não é reconhecido como sujeito, esse grito acaba por se
transformar em sintoma, que poderá ser expresso tanto no corpo por um
processo de somatização, quanto por um comportamento anti-social.
Ao me perguntar o que leva um genitor a causar tamanho dano emocional e psíquico a seu filho, três fatores me vêem a mente:
1- A
forma como a separação aconteceu e a representação inconsciente desta
no imaginário do cônjuge que se sentiu “abandonado”, aliado a
dificuldade de lidarem com a frustração, fruto de um processo
educacional e social que os tem impedido de reconhecer o espaço e o
direito do Outro:
Interessante
observar que as pesquisas realizadas sobre o tema apontam que a
Síndrome da Alienação Parental acontece mais frequentemente em famílias
cuja dinâmica funcional é muito perturbada e que são comandadas pela
mãe, sendo a Síndrome entendida pelos pesquisadores como a busca de
re-equilíbrio da dinâmica familiar.
O
uso da alienação parental como tentativa de volta da homeostase
familiar envolve diversos segmentos sociais, familiares e jurídicos,
levando o membro “doente” a se sentir acolhido em seu sofrimento, uma
vez que em volta do seu desejo reúnem-se todos.
Acredito
que este processo seja parte da doença psíquica do membro alienador,
que eclode com a separação e que, quando submetido a exames psíquicos,
seja possível distinguir em sua história diversos elementos que poderiam
prever este tipo de resposta diante da frustração.
Geralmente
são pessoas que em sua história familiar foram privados da
possibilidade de reconhecerem a existência do outro como Sujeito e com
isso não aprenderam a respeitá-lo como possuidor de espaço psíquico e
emocional. São frutos de uma educação que não lhes deu o limite
necessário que lhes possibilitasse construir noções de ordem, valor e
normas morais e sociais.
Ao
verem-se privados de seu “brinquedo” fazem “birra” com o “brinquedo”
que têm a mão, ou seja, com os filhos, porque sabem que estes, usados
como armas, atingirão o seu oponente no que ele ama.
2- A dificuldade de diferenciação de papéis (conjugal e parental):
Trindade
(2006) acentua que a Síndrome da Alienação Parental “é o palco de
pactualizações diabólicas, vinganças recônditas relacionadas a conflitos
subterrâneos inconscientes ou mesmo conscientes, que se espalham como
metástases de uma patologia relacional”.
Na
Síndrome da Alienação Parental, ao analisarmos a desvalorização da
figura do outro genitor, encontramos uma motivação de cunho narcísico: a
função do casamento para estas pessoas é o de eternizar-se através da
prole. Impossibilitado de reconhecer o outro como um Outro, com
direitos, desejos e deveres, ao verem-se frustrados(as), deixam de
perceber os filhos como senhores de direitos e passam a vê-los como mais
um objeto na partilha de bens. Desta forma a sociedade que se desfez
(sistema conjugal) é estendida ao sistema parental, e, amplia-se o
divórcio ao espaço do pai e da mãe.
O
Código Civil brasileiro dispõe que o poder familiar deve ser exercido
em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, circunstância que não
deve se alterar na eventual separação do casal. Em situação de litígio,
na qual os genitores não conseguem entrar em acordo para atuarem em
consonância com as normas do Código Civil, caberá à justiça regulamentar
esse acordo.
Desta
forma a justiça passa a ocupar o lugar do terceiro nesta relação,
significando de alguma forma a continuidade da sociedade conjugal.
Desrespeitar as decisões da justiça, fato comum na SAP, mostra a luta
contra a autoridade que se interpôs entre o ex-casal. Se entendermos que
uma das funções da SAP é manter o vínculo que o genitor alienante não
consegue romper, a figura da Lei, o “Pai Jurídico” (Araújo, 2006), se
coloca ali para ser desrespeitado, uma vez que ele significa a castração
simbólica que não foi constituída no desenvolvimento emocional deste.
3- Os novos papéis desempenhados pela mulher e pelo homem na sociedade e a forma como lidam com esta “novidade”:
Na
minha experiência clínica, encontro homens, na faixa dos 40 anos,
profissionais liberais bem sucedidos, que ao me procurarem dizem: “Dra.
eu só quero o direito de ser pai”. Homens que não só têm sido excluídos
do contato com os filhos, como estão sendo acusados de abuso sexual,
queixa mais comum nos quadros de alienação parental, e que pela demora
do curso judicial vêem-se privados de acompanhar o crescimento dos
filhos. Se me preocupa o dano emocional causado aos filhos, acredito que
precisamos nos preocupar também com as conseqüências emocionais e
sociais para este genitor alienado.
Nos
30 anos de experiência profissional pude acompanhar a mudança de papel
desempenhada pelo homem no lugar paterno. Acompanhei a queixa das mães
que na separação viam os Pais “abandonarem” os filhos ao se tornarem
pais de final de semana, e, vejo hoje, a queixa dos Pais ao se verem
excluídos do contato com os filhos.
Acredito
que a maior incidência de caso da Síndrome da Alienação Parental entre
as mulheres também pode ser pensada não só pelo fato delas ainda terem a
preferência na guarda dos filhos, quanto pelo próprio conflito que as
mulheres vivenciam hoje no seu lugar social.
A
emancipação feminina, que tem seu apogeu na metade do século passado,
portanto um fato histórico ainda recente provocou mudanças sociais muito
grandes no contexto feminino, mudanças que percebo ainda estão sendo
absorvidas pelo universo feminino.
O
lugar materno na minha percepção foi um dos papéis mais afetados neste
processo. Na medida em que a mulher passou a ocupar um lugar
profissional de maior destaque, o que fez com que ela estivesse mais
tempo fora de casa e consequentemente distante do universo materno
possibilitou que o homem começasse a ocupar um lugar maior neste
universo. Se por um lado ocupar este lugar é uma cobrança do universo
feminino, por outro também pode representar um risco de perder o espaço
que culturalmente sempre foi reservado à mulher. Desta forma surge um
conflito muito grande: o mundo externo é atraente e incita a ser
explorado, o mundo interno, o conhecido, é seguro e dividi-lo causa
temor: o lugar materno hoje, muitas vezes, é mantido às custas da
desqualificação do lugar paterno.
No
momento em que a justiça reconhece a paternidade jurídica,
distanciando-a da base biológica, reconhecendo a importância do lugar do
masculino na vida das crianças/adolescentes, oferece aos filhos a
oportunidade de poderem optar a partir de certa idade para ficar com o
genitor com quem melhor se identifica, após a ruptura da sociedade
conjugal de seus pais. Essa ameaça ao genitor alienante é um dos
elementos que reforçam seu “trabalho” alienante junto aos filhos.
Infelizmente
é uma prática comum no Brasil a de que o genitor que detenha a guarda
exerça sozinho o poder familiar. Tal prática é uma afronta à Lei além de
prejudicar os filhos que se vêem impedidos do direito à ampla
convivência familiar assegurada pela Constituição Brasileira. Ao se
sentir inviolável, muitas vezes, na percepção de Lima (2008), o guardião
vale-se do direito da guarda unilateral para praticar atos que atentam
contra a dignidade dos filhos.
Residir
em companhia de um dos pais é um ajuste necessário às circunstâncias
criadas pelos genitores. Tal fato não assegura que, o genitor com quem o
filho reside seja mais importante do que o outro que se vê relegado a
ter a companhia dos filhos por pouco tempo como punição à separação.
Eu
gostaria de levantar ainda uma outra preocupação: o papel que a
justiça, o ministério público, a defensoria pública e os serviços
psicossociais têm exercido na análise da SAP.
Entendo ser difícil acreditar que um genitor, que na sua essência deveria ser o protetor dos filhos passe a ser o seu agressor.
Pensar
um pai ou uma mãe usando seus filhos como “bala de canhão” na sua
guerra particular é muito dolorido. Entretanto temos observado um
aumento da SAP que tem assustado, e associado a isso uma negação por
parte dos agentes da justiça, do ministério público e dos serviços
psicossocial da sua existência.
O
desconhecimento dos meandros que envolvem a SAP é na minha percepção
uma das razões desta negação. Entendo que a proteção integral à criança e
ao adolescente, presente na nossa Constituição Federal e princípio
básico do Estatuto da Criança e do Adolescente, associado às sutilezas
com que o alienador na maioria das vezes se utiliza, nas falsas
denúncias praticadas por este, confundam o sistema judiciário.
Entretanto
vemos crianças e adolescentes, além do genitor alienado, sofrendo as
conseqüências desta doença familiar, sem que providências urgentes sejam
tomadas em sua defesa.
Pensar
nas conseqüências para uma criança ou adolescente que passa meses ou
até anos alijados da presença do genitor, sendo alienados na sua
percepção deste, sem que ele, mesmo repleto de provas seja ouvido pela
justiça, preocupa. Os transtornos ocasionados a este sistema familiar
são muito grandes, e muitas vezes sem possibilidade de resgate para
estes.
Diante
disso, gostaríamos de terminar deixando essa preocupação como alerta.
Precisamos olhar para a SAP como um grito de socorro por parte do
genitor, que em seu comportamento alienado e alienador, ao não conseguir
enxergar além de si próprio, provoca um grande sofrimento em todo o seu
círculo familiar e pede limite a todos nós.
Bibliografia
ARAÚJO,
S. M. B. (2006) “Pai aproxima de mim esse cálice: significações de
juízes e promotores sobre a função paterna no contexto da justiça”. Tese
de doutorado defendida junto à Unb.
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