NOSSA LUTA

segunda-feira, 23 de julho de 2012

QUEM DEFENDE A MINHA FILHA?



Objetivo: destacar a importância da síndrome de alienação parental sob o enfoque da Ciência Jurídica. Aspectos abordados: 1. conceito; 2. causas determinantes do processo de alienação; 3. graus e extensão da alienação; 4. meios para obter a alienação parental; 5. elementos de identificação da alienação parental; 6. conseqüências da alienação parental; 7. a repressão judicial à alienação parental; 8. o papel do advogado diante da alienação parental. Conclusões: identificar a alienação parental e evitar que esse maléfico processo afete a criança e se converta em síndrome são tarefas que se impõem aoo Poder Judiciário. O advogado que milita na área do direito de família deve priorizar a defesa do menor, mesmo quando procurado pelo genitor alienante para a defesa de seus direitos, inclusive com a recusa ao patrocínio da causa do progenitor alienante.
Descritores: Maus tratos infantis. Leis. Ética. Criança
Abstract
Objective: to highlight the importance of the parental alienation syndrome through the Legal Science approach. Approached aspects: 1. concept; 2 determinant causes of the alienation process; 3. degree and extension of the alienation; 4. how to get parental alienation; 5. elements of identification of parental alienation; 6. consequences of the parental alienation; 7. judicial repression of parental alienation; 8. the role of the lawyer in parental alienation. Conclusions: to identify the parental alienation and prevent this harmful process from affecting the child and converting into a syndrome are tasks for the Justice. The family law lawyer must prioritize the child and adolescent, even when the alienating parents demand their rights, including the refusal to support the cause of the alienating parent.
Keywords: Neglected child. Laws. Ethics. Child.
Resumen
Objetivo: destacar la importancia del síndrome de alienación parental sobre enfoque de la Ciencia Jurídica. Aspectos abordados: 1. concepto; 2. causas determinantes del proceso de alienación; 3. grados y extensión de la alienación; 4. medios para obtener la alienación parental; 5. elementos de identificación de la alienación parental: 6. consequencias de la alienación parental; 7. la represión judicial a la alienación parental; 8. el papel del abogado delante de la alienación parental. Conclusiones: identificar la alienación parental y evitar que este maléfico proceso afecte al niño y se convierta en síndrome son tareas para el Poder Judicial. El abogado que milita en el área del derecho de família debe priorizar la defensa del niño, inclusive con la recusa al patrocínio de la causa del progenitor alienante.
Palabras clave: Maus tratos. Leyes. Ética. Niño.
1. Conceito
Uma vez consumada a separação do casal e outorgada a guarda dos filhos a um dos ex-consortes, assiste ao outro, como cediço, o direito-dever de com eles estar. É o chamado direito de visitas, o qual não compreende, ao contrário do que possa parecer, apenas o contato físico e a comunicação entre ambos, mas o direito de o progenitor privado da custódia participar do crescimento e da educação do menor. Trata-se de uma forma de assegurar a continuidade da convivência entre o filho e o genitor não-guardião, ou seja, do vínculo familiar, minimizando, assim, a desagregação imposta pela dissolução do casamento.
O regime de visitas estabelecido no acordo de separação ou determinado pelo juiz objetiva, desse modo, não apenas atender os interesses e as necessidades do genitor não-titular da guarda, mas principalmente aqueles referentes ao próprio menor. Por essa razão, o exercício do direito de visitas não pode ser embaraçado ou suprimido, a não ser que circunstâncias extremamente graves assim recomendem.
Lamentavelmente, e com maior freqüência do que se supõe, reiteradas barreiras são postas pelo guardião à realização das visitas. Como se demonstrará mais adiante, não são poucos os artifícios e manobras de que se vale o titular da guarda para obstaculizar os encontros do ex-cônjuge com o filho: doenças inexistentes, compromissos de última hora, etc. E o que é pior e mais grave: tais impedimentos vêm ditados por inconcebível egoísmo, fruto exclusivo da animosidade que ainda reina entre os ex-consortes, sendo certo que, sem qualquer pejo, em nome de tais espúrios sentimentos, a criança é transformada em instrumento de vingança.
Esquecem os genitores que a criança, desde o nascimento, tem direito ao afeto, à assistência moral e material e à educação1. E não é por outra razão que a Constituição Brasileira no art. 227 estabelece ser “dever da família (…) assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito (…) à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”2.
Pois bem, o ex-consorte – geralmente o detentor da custódia, que intenta afastar o filho do relacionamento com o outro genitor -, promove aquilo que se denomina alienação parental. Essa situação pode dar ensejo ao aparecimento de uma síndrome, a qual exsurge do apego excessivo e exclusivo da criança com relação a um dos genitores e do afastamento total do outro. Apresenta-se como o resultado da conjugação de técnicas e/ou processos que, consciente ou inconscientemente, são utilizados pelo genitor que pretende alienar a criança, a que se alia a pouca vontade da criança em estar com o genitor não-titular da guarda. Nos EUA, denomina-se “alienador ingênuo” (naive alienator) aquele que procura, inconscientemente, afastar o outro genitor do convívio com o filho.
A criança que padece do mal se nega terminante e obstinadamente a manter qualquer tipo de contato com um dos genitores, independentemente de qualquer razão ou motivo plausível3. Cuida-se, na verdade, de um sentimento de rejeição a um dos genitores, sempre incutido pelo outro genitor no infante, fato que, em um primeiro momento, leva o petiz a externar – sem justificativas e explicações plausíveis – apenas conceitos negativos sobre o progenitor do qual se intenta alienar e que evolui, com o tempo, para um completo e, via de regra, irreversível afastamento, não apenas do genitor alienado, como também de seus familiares e amigos.
Essa alienação pode perdurar anos seguidos, com gravíssimas conseqüências de ordem comportamental e psíquica, e geralmente só é superada quando o filho consegue alcançar certa independência do genitorguardião, o que lhe permite entrever a irrazoabilidade do distanciamento a que foi induzido.
A esse processo patológico dá-se o nome de síndrome de alienação parental, identificada em 1985 pelo professor de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia (EUA), doutor Richard A. Gardener4. Do ponto de vista médico, relativamente à criança, a
síndrome é uma forma de abuso emocional5, punida nos EUA, segundo o Family Court Act, com a perda da guarda e a supressão do direito de visitas por parte do genitor responsável pela alienação6.

Àquele que busca arredar a presença do outro genitor da esfera de relacionamento com o filho outorga-se o nome de “progenitor alienante” e ao outro, de cujo contato se subtrai a criança, de “progenitor alienado”. Geralmente o papel de progenitor alienante cabe à mãe, e o de alienado, ao pai.
A síndrome da alienação parental não se confunde, portanto, com a mera alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A síndrome da alienação parental, por seu turno, diz respeito às seqüelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere-se à conduta do filho que se recusa terminante e obstinadamente a ter contato com um dos progenitores, que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho. Essa conduta alienante, quando ainda não deu lugar à instalação da síndrome, é reversível e permite – com o concurso de terapia e auxílio do Poder Judiciário – o restabelecimento das relações com o genitor preterido7. Já a síndrome, segundo as estatísticas divulgadas por Darnall, somente cede, durante a infância, em 5% dos casos7.
Essa patologia afeta mais os meninos, pois são os que mais sofrem com a ausência paterna, em idade que varia entre oito e 11 anos. Crianças mais velhas tendem a opor maior resistência à pressão do genitor alienante, já que têm um pouco mais de independência e de vontade própria8.
2. Causas determinantes do processo de alienação
Malgrado o objetivo da alienação seja sempre o mesmo – o banimento do outro genitor da vida do filho, as razões que levam o genitor alienante a promovê-la se denotam bastante diversificadas. Pode resultar das circunstâncias e/ou, de se tratar o genitor alienante de pessoa exclusivista, ou ainda, que assim procede motivado por um espírito de vingança ou de mera inveja.
Muitas vezes o afastamento da criança vem ditado pelo inconformismo do cônjuge com a separação; em outras situações, funda-se na insatisfação do genitor alienante, ora com as condições econômicas advindas do fim do vínculo conjugal, ora com as razões que conduziram ao desfazimento do matrimônio, principalmente quando este se dá em decorrência de adultério e, mais freqüentemente, quando o ex-cônjuge prossegue a relação com o parceiro da relação extra-matrimonial. Neste último caso, o alijamento dos filhos de um dos pais resulta de um sentimento de retaliação por parte do ex-cônjuge abandonado, que entrevê na criança o instrumento perfeito da mais acabada vindita. Pode suceder, também, que a exclusividade da posse dos filhos revele-se como conseqüência do desejo de não os ver partilhar da convivência com aqueles que vierem a se relacionar com o ex-cônjuge – independentemente de terem sido eles os responsáveis pelo rompimento do vínculo matrimonial. Em outra hipótese, não de rara ocorrência, a alienação promovida apresenta-se como mero resultado da posse exclusiva que o ex-cônjuge pretende ter sobre os filhos.
São situações que se repetem na prática, muito embora os motivos que as ditem mostrem natureza diversa: às vezes é a solidão a que se vê relegado o ex-cônjuge, especialmente quando não tem familiares próximos – isolamento que o leva a não prescindir da companhia dos filhos; outras vezes é a falta de confiança, fundada ou infundada, que o ex-cônjuge titular da guarda nutre pelo ex-consorte para cuidar dos filhos; outras vezes é a falta de confiança, fundada ou infundada, que o excônjuge titular da guarda nutre pelo ex-consorte para cuidar dos filhos. Em determinadas situações, a alienação representa mera conseqüência do desejo de o alienante deter, apenas para si, o amor do filho, algumas outras vezes resulta do ódio que o genitor alienante nutre pelo alienado, ou mesmo do simples fato de o alienante julgar o outro genitor indigno do amor da criança.
A depressão, de que pode padecer o progenitor alienante, também é apontada como motivadora da alienação parental, assim como a dificuldade de relacionamento entre os pais. Às vezes, até mesmo a diversidade de estilos de vida é tida como causa da alienação parental e, quando isso ocorre, tal se dá diante do receio que tem o alienante de que a criança possa adotar ou preferir aquele modus vivendi por ele não adotado.
Lamentavelmente, em alguns casos, o fator responsável pela alienação é o econômico: o genitor alienante objetiva obter maiores ganhos financeiros, ou mesmo outros benefícios afins, à custa do afastamento da criança do genitor alienado. Em circunstâncias como essas, se o genitor alienado resistir à chantagem, as portas para a síndrome estarão abertas9.
Quando provocada especificamente pelo pai, a alienação parental ora vem motivada pelo desejo de vingança pela separação, ou pelas causas que a determinaram (e.g. adultério), ora pela necessidade de continuar mantendo o controle sobre a família, e até mesmo para evitar o pagamento de pensão alimentícia.
A alienação parental – seja ela induzida pelo pai ou pela mãe e malgrado motivada por fatores diversos – produz os mesmos sintomas na criança e a afeta de igual modo10.
Todas essas circunstâncias, oriundas de atitude imatura e egoísta, acabam dando ensejo ao alijamento pretendido e, por conseqüência, à síndrome. Se, por um lado, logra o genitor alienante prejudicar o alienado, por outro, torna a criança vítima dessa situação. A partir daí, como veremos, as conseqüências para os filhos – ainda que a ruptura da convivência com o outro progenitor não seja absoluta – são as mais graves possíveis.
3. Graus e extensão da alienação
A alienação nem sempre é atingida em termos absolutos: às vezes a resistência do genitor alienado é de tal ordem que ainda consegue se avistar com os filhos – de modo forçado ou não – em casas de parentes, educandários ou até mesmo em visitários públicos. A alienação parental, no entanto, é, via de regra, alcançada pelo trabalho incansável de destruição da figura do progenitor alienado, promovida pelo progenitor alienante. Tal esforço conduz a situações extremas de alienação, que acabam por inviabilizar qualquer contato com o genitor definitivamente alienado11. Muitas vezes, a resistência oferecida pelos filhos ao relacionamento com um dos pais é tamanha, que a alienação parental acaba por contar, inclusive, com o beneplácito do Poder Judiciário. Não raro, diante dessa circunstância, alguns juízes chegam até mesmo a deferir a suspensão do regime de visitas. É o quanto basta para que se tenha a síndrome instalada em caráter definitivo.
Outro meio de manobra para excluir o outro genitor da vida do filho é a mudança de cidade, estado ou país. Geralmente essa transferência de domicílio se dá de modo abrupto, após anos de vida em local ao qual não apenas o genitor alienante encontrava-se acostumado e adaptado, como também a criança que, de inopino, vê-se privada do contato com o progenitor alienado, com os familiares, com os amiguinhos, com a escola a que já se encontrava integrada, etc. E tudo em nome de vagas escusas: melhores condições de trabalho ou de vida, novo relacionamento amoroso com pessoa residente em cidade diferente e, quase sempre, distante, etc. Nesses casos, adverte Gardner, o juiz deve se mostrar muito atento, para verificar quando se trata de mudança ditada por motivos reais e justificados ou quando ela não passa de subterfúgio para afastar o outro genitor do filho10,12.
Por fim, quando o genitor alienante não logra obter a alienação desejada, esta é alcançada pelo mais trágico dos meios: o assassinato do genitor que se pretende alienar, ou mesmo – o que é mais terrível – dos próprios filhos. É conhecido, em São Paulo, o caso de uma mulher que, inconformada com a perda do marido em decorrência da separação, assassinou os três filhos e, em seguida, suicidou-se. O homicídio e o suicídio perpetrados justificar-se-iam, consoante as palavras por ela deixadas, pelo fato de que, sem a sua presença, ninguém mais saberia cuidar de seus filhos. Daí, por não conseguir mais viver sem o marido,
de quem se separara, entendia ela que os filhos também não teriam condições de continuar vivendo. Foi por essa estapafúrdia e pífia razão que, antes de se suicidar, matara as três crianças. O caso representa, sem dúvida, o grau máximo em que se pode verificar a consumação da alienação parental.

4. Meios para obter a alienação parental
A alienação parental é obtida por meio de um trabalho incessante levado a efeito pelo genitor alienante, muitas vezes até mesmo de modo silencioso ou não explícito. Nem sempre é alcançada por meio de lavagens cerebrais ou discursos atentatórios à figura paterna. Na maior parte dos casos, o cônjuge titular da guarda, diante da injustificada resistência do filho em ir ao encontro do outro genitor, limita-se a não interferir, permitindo, desse modo, que a insensatez do petiz prevaleça.
É curioso observar que, em situações como essas, se indagado o menor acerca dos motivos pelos quais não deseja estar com o outro genitor, nenhuma explicação convincente é fornecida. Algumas vezes a justificativa resume-se no desagrado de comparecer a determinados lugares (casa dos avós, por exemplo); em outras oportunidades, a justificativa encontra amparo na não-participação do genitor em determinadas brincadeiras, ou mesmo no inconformismo com o cumprimento dos deveres escolares imposto pelo outro genitor.
Em outras circunstâncias, o genitor alienante opõe às visitas toda sorte de desculpas: estar a criança febril; acometida por dor de garganta; visitas inesperadas de familiares; festinhas na casa de amigos, etc. Também com freqüência, o genitor alienante vale-se de chantagem emocional para lograr a alienação parental: induz a criança à crença de que, se ela mantiver relacionamento com o genitor alienado, estar-lhe-á traindo, permitindo, desse modo, que ele, genitor alienante, permaneça só, abandonado e, portanto, infeliz.
5. Elementos de identificação da alienação parental
Tendo em vista o casuísmo das situações que levam à identificação da síndrome de alienação parental, a melhor forma de reconhecê-las encontra-se no padrão de conduta do genitor alienante, o qual se mostra caracterizado quando este, dentre outras atitudes: a) denigre a imagem da pessoa do outro genitor; b) organiza diversas atividades para o dia de visitas, de modo a torná-las desinteressantes ou mesmo inibí-las; c) não comunica ao outro genitor fatos importantes relacionados
à vida dos filhos (rendimento escolar, agendamento de consultas médicas, ocorrência de doenças, etc.) d) toma decisões importantes sobre a vida dos filhos, sem prévia consulta ao outro cônjuge (por exemplo: escolha ou mudança de escola, de pediatra, etc.); e) viaja e deixa os filhos com terceiros sem comunicar o outro genitor; f) apresenta o novo companheiro à criança como sendo seu novo pai ou mãe; g) faz comentários desairosos sobre presentes ou roupas compradas pelo outro genitor ou mesmo sobre o gênero do lazer que ele oferece ao filho; h) critica a competência profissional e a situação financeira do ex-cônjuge; i) obriga a criança a optar entre a mãe ou o pai, ameaçando-a das conseqüências, caso a escolha recaia sobre o outro genitor; j) transmite seu desagrado diante da manifestação de contentamento externada pela criança em estar com o outro genitor; k) controla excessivamente os horários de visita; l) recorda à criança, com insistência, motivos ou fatos ocorridos pelos quais deverá ficar aborrecida com o outro genitor; m) transforma a criança em espiã da vida do ex-cônjuge; n) sugere à criança que o outro genitor é pessoa perigosa; o) emite falsas imputações de abuso sexual, uso de drogas e álcool; p) dá em dobro ou triplo o número de presentes que a criança recebe do outro genitor; q) quebra, esconde ou cuida mal dos presentes que o genitor alienado dá ao filho; r) não autoriza que a criança leve para a casa do genitor alienado os brinquedos e as roupas de que mais gosta; s) ignora em encontros casuais, quando junto com o filho, a presença do outro progenitor, levando a criança a também desconhecê-la; t) não permite que a criança esteja com o progenitor alienado em ocasiões outras que não aquelas prévia e expressamente estipuladas12,13.

6. Conseqüências da alienação parental
Consumadas a alienação e a desistência do alienado de estar com os filhos, tem lugar a síndrome da alienação parental, sendo certo que as seqüelas de tal processo patológico comprometerão, definitivamente, o normal desenvolvimento da criança11,13. Gardner anota, a propósito, que, nesses casos, a ruptura do relacionamento entre a criança e o genitor alienado é de tal ordem, que a respectiva reconstrução, quando possível, demandará hiato de largos anos12.
A síndrome, uma vez instalada no menor, enseja que este, quando adulto, padeça de um grave complexo de culpa por ter sido cúmplice de uma grande injustiça contra o genitor alienado. Por outro lado, o genitor alienante passa a ter papel de principal e único modelo para a criança que, no futuro, tenderá a repetir o mesmo comportamento.
Os efeitos da síndrome podem se manifestar às perdas importantes – morte de pais, familiares próximos, amigos, etc. Como decorrência, a criança (ou o adulto) passa a revelar sintomas diversos: ora apresenta-se como portadora de doenças psicossomáticas, ora mostra-se ansiosa, deprimida, nervosa e, principalmente, agressiva. Os relatos acerca das conseqüências da síndrome da alienação parental abrangem ainda depressão crônica, transtornos de identidade, comportamento hostil, desorganização mental e, às vezes, suicídio. É escusado dizer que, como toda conduta inadequada, a tendência ao alcoolismo e ao uso de drogas também é apontada como conseqüência da síndrome.
Por essas razões, instilar a alienação parental em criança é considerado, pelos estudiosos do tema, como comportamento abusivo, tal como aqueles de natureza sexual ou física9-13. Em grande parte dos casos, a alienação parental não afeta apenas a pessoa do genitor alienado, mas também todos aqueles que o cercam: familiares, amigos, serviçais, etc., privando a criança do necessário e salutar convívio com todo um núcleo familiar e afetivo do qual faz parte e ao qual deveria permanecer
integrada.

7. A repressão judicial à alienação parental
Uma vez identificado o processo de alienação parental, é importante que o Poder Judiciário aborte seu desenvolvimento, impedindo, dessa forma, que a síndrome venha a se instalar. Via de regra, até por falta de adequada formação, os juízes de família fazem vistas grossas a situações que, se examinadas com um pouco mais de cautela, não se converteriam em exemplos do distúrbio ora analisado.
É imperioso que os juízes se dêem conta dos elementos identificadores da alienação parental, determinando, nesses casos, rigorosa perícia psicossocial, para então ordenar as medidas necessárias para a proteção do infante. Observe-se que não se cuida de exigir do magistrado – que não tem formação em Psicologia – o diagnóstico da alienação parental. No entanto, o que não se pode tolerar é que, diante da presença de seus elementos identificadores, não adote o julgador, com urgência máxima, as providências adequadas, dentre elas, o exame psicológico e psiquiátrico das partes envolvidas.
Uma vez apurado o intento do genitor alienante, insta ao magistrado determinar a adoção de medidas que permitam a aproximação da criança com o genitor alienado, impedindo, assim, que o progenitor alienante obtenha sucesso no procedimento já encetado.
As providências judiciais a serem adotadas dependerão do grau em que se encontra o estágio da alienação parental. Assim, poderá o juiz: a) ordenar a realização de terapia familiar14, nos casos em que o menor já apresente sinais de repulsa ao genitor alienado; b) determinar o cumprimento do regime de visitas estabelecido em favor do genitor alienado, valendo-se, se necessário, da medida de busca e apreensão; c) condenar o genitor alienante ao pagamento de multa diária, enquanto perdurar a resistência às visitas ou à prática que enseja a alienação; d) alterar a guarda do menor, principalmente quando o genitor alienante apresentar conduta que se possa reputar como patológica, determinando, ainda, a suspensão das visitas em favor do genitor alienante, ou que elas sejam realizadas de forma supervisionada15; e) dependendo da gravidade do padrão de comportamento do genitor alienante ou diante da resistência dele perante o cumprimento das visitas16, ordenar sua respectiva prisão.
Em relação à possível alteração da guarda, aventada anteriormente no item d, não se registra nos anais de nossa jurisprudência decisão de modificação de guarda ditada exclusivamente pelo impedimento aposto às visitas por parte do titular da custódia. Há um único e isolado julgado em que a alteração da custódia encontrava um de seus fundamentos em tal circunstância, mas a razão primeira da decisão foram os maus tratos
do guardião à filha menor14.

Muito embora, no Direito Brasileiro, a oposição e impedimento ao exercício do direito de visitas não seja considerada crime – ao contrário do que sucede em outros países, como explicitado abaixo, entre nós o apenamento pode vir alicerçado no descumprimento de ordem judicial, delito contemplado no art. 330 do Código Penal15.
No Código Penal da Noruega: “§ 216. Any person who causes or is accessory to causing a minor to be unlawfully deprived of or kept deprived of his parents’ or other authorized persons’ care shall be liable to imprisonment for a term not exceeding three years. If there are extenuating circumstances, fines may be imposed. A public prosecution will only be instituted when requested by an aggrieved person.”
No Código Penal da Califórnia: “278.5. (a) Every person who takes, entices away, keeps, withholds, or conceals a child and maliciously deprives a lawful custodian of a right to custody, or a person of a right to visitation, shall be punished by
imprisonment in a county jail not exceeding one year, a fine not exceeding one thousand dollars ($1,000), or both that fine and imprisonment, or by imprisonment in the state prison for 16 months, or two or three years, a fine not exceeding ten thousand dollars ($10,000), or both that fine and imprisonment. (b) Nothing contained in this section limits the court’s contempt power. (c) A custody order obtained after the taking, enticing away, keeping, withholding, or concealing of a child does not constitute a defense to a crime charged under this section.”
No Código Penal da Alemanha: “235. Sustracción de menores de edad (1) Con pena de privación de la libertad hasta cinco años o con multa será castigado: 1. quién sustraiga o retenga a una persona menor de 18 años con violencia a través de amenaza con un mal considerable o por medio de astucia, 2. quién sustraiga o retenga a un niño sin ser su familiar de sus padres, de un padre progenitor, del su tutor o de su curador. (2) De igual manera será castigado quién 1. sustraiga un menor a los padres, a sus padres a uno de los padres progenitores, al tutor o al curador con el fin de llevarlo al extranjero, o 2. retenga un niño menor de sus padres, de uno de sus padres progenitores, del tutor o del curador, en el extranjero después de haber sido llevado allá o se haya trasladado allá. (3) En los casos del inciso 1 numeral 2 y del inciso 2 numeral 1, la tentativa es punible. (4) Se impondrá pena privativa de la libertad de uno a diez años cuando el autor: 1. conduzca a la víctima por el hecho a peligro de muerte o de un grave perjuicio de salud o a un perjuicio considerable para su desarrollo físico o psíquico, o 2. cometa el hecho con ánimo de lucro o con el propósito de enriquecerse a si o a un tercero (5) Si el autor por el hecho causa la muerte de la víctima, entonces el castigo es pena privativa de la libertad no inferior a tres años. (6) En casos menos graves del inciso 4 se impondrá pena privativa de la libertad de 6 meses hasta cinco años; en casos menos graves del inciso 5 la pena privativa de la libertad es de uno hasta diez años.”
Código Penal Francês: “Article 227-5 Le fait de refuser indûment de représenter un enfant mineur à la personne qui a le droit de le réclamer est puni d’un an d’emprisonnement et de 15.000 euros d’amende.”

8. O papel do advogado diante da alienação parental
Identificar
a alienação parental e evitar que esse maléfico processo afete a criança e se converta em síndrome são tarefas que se impõem ao Poder Judiciário, que, para esse fim, deverá contar com o concurso de assistentes sociais e, principalmente, de psicólogos. Por sua vez, ao advogado que milita na área do direito de família, quando procurado pelo genitor alienante para a defesa de seus direitos, tarefa de menor dificuldade e importância não lhe é destinada.
Quando está patente o processo de alienação parental, promovido pelo progenitor alienante, não se permite aos advogados, em nome de uma suposta defesa de seus direitos, prejudicar aquele que é, em tais casos, o interesse maior a ser protegido: o do menor. Em tais situações, a recusa ao patrocínio da causa do progenitor alienante impõe-se, também por força do comando constitucional que erige à condição de dever da sociedade – e, por conseguinte, de todo e qualquer cidadão, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar2.





Referências
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Constituição da República do Brasil, art. 227, p. 148, 1988.
Stan-Hayward FNF. A guide to the parental alienation syndrome. Disponível em URL: http://www.fact.on.ca/Info/pas/hayward (acesso 8 jul 2006)
Gardener RA. Recent trends in divorce and custody litigation. Academy Forum 1985;29:3-7.
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Brandes JR. Parental alienation. NY Law Journal [periódico on line] March 26,2000:1. Disponível em URL: http://www.brandeslaw.com/parental 1%20 alienation.htm (acesso 8 jul 2006)
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Darnall D. Parental alienation: not in the best interest of the children. LD Law Rev 1999;75:323-64.
Kopetski LM. Identifying cases of parental alienation syndrome. Part II. The Colorado Lawyer 1998;27:63-6.
Gardner R. Family therapy of the moderate type of parental alienation syndrome. Am J Fam Ther 1999;27:194-212.
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Gardner R. Family therapy of the moderate type of parental alienation syndrome. Addendum I to 2nd ed. June 1999. p.1.
Lowenstein F. Parental alienation syndrome: a two step approach toward a solution. Contemporary Family Therapy 1998;20:505-20.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap. Cível nº 598.242.972, 8ª. CC, Rel. Dês. Alzir Felippe Schmitz, j. Ação cautelar inominada. Pedido de entrega de declaração de nascimento pelo hospital onde se deu o parto. Art. 228 do ECA. 13/4/2000.
Código Penal Brasileiro, art. 330.
Dra. Priscila Maria Pereira Corrêa da Fonseca
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica, Doutora em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo e Professora de Direito Comercial na Faculdade de Direito da USP
Publicado originalmente em: Pedriatria (São Paulo) 2006;28(3)162-8
Endereço para correspondência com a autora:
Avenida Major Sylvio de Magalhães Padilha, 5.200, Ed. Quebec, cjto. 401 São Paulo/ SP.
Cep 05677-000
E-mail: priscilafonseca@uol.com.br

Um comentário:

Mahgaroh Prats disse...

A repressão judicial à alienação parental Uma vez identificado o processo de alienação parental, é importante que o Poder Judiciário aborte seu desenvolvimento, impedindo, dessa forma, que a síndrome venha a se instalar. Via de regra, até por falta de adequada formação, os juízes de família fazem vistas grossas a situações que, se examinadas com um pouco mais de cautela, não se converteriam em exemplos do distúrbio ora analisado.