NOSSA LUTA

sábado, 21 de abril de 2012


 

 

 

 Psicologia e a Alienação Parental

A Doutora em Psicologia Sandra Baccara, presenteou nosso blog com um artigo sobre Alienação Parental.

"...Na minha experiência clínica, encontro homens, na faixa dos 40 anos, profissionais liberais bem sucedidos, que ao me procurarem dizem: “Dra. eu só quero o direito de ser pai”. ..

ALIENAÇÃO PARENTAL

Dra. Sandra Maria Baccara Araújo
A Síndrome de Alienação Parental (SAP) foi descrita por Gardner em 1985, como sendo “Um transtorno caracterizado pelo conjunto de sintomas que resultam do processo pelo qual um genitor transforma a consciência de seus filhos, mediante distintas estratégias, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor”.
Sua função básica é destruir a confiança da criança/adolescente no genitor alienado, através da desqualificação do mesmo, levando-a a se afastar deste, através de atitudes de nojo, raiva ou medo.
O genitor alienador se torna o centro das atenções dos filhos, fazendo-os crer que ele é capaz de cuidar sozinho deles, e, que estes não sobreviverão longe dele. Silva e Resende (2207) afirmam que “O alienador passa em alguns momentos por uma dissociação com a realidade e acredita naquilo que criou sozinho. E o pior, faz com que os filhos acreditem, sintam e sofram com algo que não existiu, exprimindo emoções falsas”. A implantação de falsas memórias na criança é parte do processo da Síndrome de Alienação Parental.
Berenice Dias (2007) afirma que “A criança que ama seu genitor, é levada a se afastar dele, que também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos. Restando órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado”.
Tal atitude traz prazer ao alienador, pois destrói aos olhos dos filhos o antigo parceiro e atual inimigo.
Gardner descreve três estágios da Síndrome:
Estágio leve – quando nas visitas há dificuldades no momento da troca dos genitores;
Estágio moderado – quando o genitor alienante utiliza uma grande variedade de artifícios para excluir o outro;
Estágio agudo – quando os filhos já se encontram de tal forma manipulados que a visita do genitor alienado pode causar pânico ou mesmo desespero.
Baseada nas observações de Louzada (2008) percebo que a prática forense tem mostrado diversos indícios que apontam para a tentativa de alienação do filho, a saber:
Casos em que o genitor guardião revela que não impede que o genitor visitante veja o filho, mas também não o “força” a ir;
Quando não permite ou dificulta que o outro genitor fale ao telefone com o filho, e quando o faz geralmente delimita horários que não são obedecidos;
Quando “esquece” os dias de visita e sai de casa com os filhos nas datas agendadas para visita, marca viagens ou saídas “interessantes” nestas datas, deixando o genitor alienado no lugar do “estraga prazer” e os filhos numa situação que pode gerar um conflito de lealdade em relação a este;
Quando se recusa a informar ao outro sobre doenças dos filhos, festas ou outras atividades no colégio, ou qualquer outro fato que comporte a presença do genitor alienado;
Quando refere que o outro genitor não cuida bem dos filhos, não os educa, não dá alimentação adequada, não se preocupa com sua higiene, deixa que se machuquem;
Quando insiste em referir-se à companheira/o do genitor/a alienado/a como sendo pessoa que não goza de boa reputação, não merecendo o contato com os filhos;
Quando imputa abuso sexual ao filho;
Quando tenta impingir aos filhos a idéia de que seu novo companheiro/a é seu novo pai/mãe.
Estes processos de alienação causam nas crianças/adolescentes grandes danos emocionais e psíquicos, pois estes se tornam um alvo claro para a destruição do “objeto de ódio” do genitor alienante. Destruir este alvo é a forma que o alienador encontra de “matar” a frustração pela perda vivida, sem levar em conta o resultado final, ou seja, o dano causado aos filhos.
Os filhos não podem se estruturar enquanto sujeitos, uma vez que não conseguem desejar além do desejo do alienador. Este, uma vez que não conseguiu se diferenciar do filho alienado acredita, mesmo que inconscientemente, que pode formar com ele uma díade perfeita. Desta forma a criança não se individualiza e com isso não alcança o espaço do seu desejo. Enquanto objetos de posse e controle, os filhos passam a agir de acordo com o que o alienador lhes “impõe”.
O resultado deste processo é um profundo sentimento de desamparo, gerando por parte da criança/adolescente um grito de socorro que não é ouvido. Uma vez que não é reconhecido como sujeito, esse grito acaba por se transformar em sintoma, que poderá ser expresso tanto no corpo por um processo de somatização, quanto por um comportamento anti-social.
Ao me perguntar o que leva um genitor a causar tamanho dano emocional e psíquico a seu filho, três fatores me vêem a mente:

1- A forma como a separação aconteceu e a representação inconsciente desta no imaginário do cônjuge que se sentiu “abandonado”, aliado a dificuldade de lidarem com a frustração, fruto de um processo educacional e social que os tem impedido de reconhecer o espaço e o direito do Outro:

Interessante observar que as pesquisas realizadas sobre o tema apontam que a Síndrome da Alienação Parental acontece mais frequentemente em famílias cuja dinâmica funcional é muito perturbada e que são comandadas pela mãe, sendo a Síndrome entendida pelos pesquisadores como a busca de re-equilíbrio da dinâmica familiar.
O uso da alienação parental como tentativa de volta da homeostase familiar envolve diversos segmentos sociais, familiares e jurídicos, levando o membro “doente” a se sentir acolhido em seu sofrimento, uma vez que em volta do seu desejo reúnem-se todos.
Acredito que este processo seja parte da doença psíquica do membro alienador, que eclode com a separação e que, quando submetido a exames psíquicos, seja possível distinguir em sua história diversos elementos que poderiam prever este tipo de resposta diante da frustração.
Geralmente são pessoas que em sua história familiar foram privados da possibilidade de reconhecerem a existência do outro como Sujeito e com isso não aprenderam a respeitá-lo como possuidor de espaço psíquico e emocional. São frutos de uma educação que não lhes deu o limite necessário que lhes possibilitasse construir noções de ordem, valor e normas morais e sociais.
Ao verem-se privados de seu “brinquedo” fazem “birra” com o “brinquedo” que têm a mão, ou seja, com os filhos, porque sabem que estes, usados como armas, atingirão o seu oponente no que ele ama.

2- A dificuldade de diferenciação de papéis (conjugal e parental):

Trindade (2006) acentua que a Síndrome da Alienação Parental “é o palco de pactualizações diabólicas, vinganças recônditas relacionadas a conflitos subterrâneos inconscientes ou mesmo conscientes, que se espalham como metástases de uma patologia relacional”.
Na Síndrome da Alienação Parental, ao analisarmos a desvalorização da figura do outro genitor, encontramos uma motivação de cunho narcísico: a função do casamento para estas pessoas é o de eternizar-se através da prole. Impossibilitado de reconhecer o outro como um Outro, com direitos, desejos e deveres, ao verem-se frustrados(as), deixam de perceber os filhos como senhores de direitos e passam a vê-los como mais um objeto na partilha de bens. Desta forma a sociedade que se desfez (sistema conjugal) é estendida ao sistema parental, e, amplia-se o divórcio ao espaço do pai e da mãe.
O Código Civil brasileiro dispõe que o poder familiar deve ser exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, circunstância que não deve se alterar na eventual separação do casal. Em situação de litígio, na qual os genitores não conseguem entrar em acordo para atuarem em consonância com as normas do Código Civil, caberá à justiça regulamentar esse acordo.
Desta forma a justiça passa a ocupar o lugar do terceiro nesta relação, significando de alguma forma a continuidade da sociedade conjugal. Desrespeitar as decisões da justiça, fato comum na SAP, mostra a luta contra a autoridade que se interpôs entre o ex-casal. Se entendermos que uma das funções da SAP é manter o vínculo que o genitor alienante não consegue romper, a figura da Lei, o “Pai Jurídico” (Araújo, 2006), se coloca ali para ser desrespeitado, uma vez que ele significa a castração simbólica que não foi constituída no desenvolvimento emocional deste.

3- Os novos papéis desempenhados pela mulher e pelo homem na sociedade e a forma como lidam com esta “novidade”:

Na minha experiência clínica, encontro homens, na faixa dos 40 anos, profissionais liberais bem sucedidos, que ao me procurarem dizem: “Dra. eu só quero o direito de ser pai”. Homens que não só têm sido excluídos do contato com os filhos, como estão sendo acusados de abuso sexual, queixa mais comum nos quadros de alienação parental, e que pela demora do curso judicial vêem-se privados de acompanhar o crescimento dos filhos. Se me preocupa o dano emocional causado aos filhos, acredito que precisamos nos preocupar também com as conseqüências emocionais e sociais para este genitor alienado.
Nos 30 anos de experiência profissional pude acompanhar a mudança de papel desempenhada pelo homem no lugar paterno. Acompanhei a queixa das mães que na separação viam os Pais “abandonarem” os filhos ao se tornarem pais de final de semana, e, vejo hoje, a queixa dos Pais ao se verem excluídos do contato com os filhos.
Acredito que a maior incidência de caso da Síndrome da Alienação Parental entre as mulheres também pode ser pensada não só pelo fato delas ainda terem a preferência na guarda dos filhos, quanto pelo próprio conflito que as mulheres vivenciam hoje no seu lugar social.
A emancipação feminina, que tem seu apogeu na metade do século passado, portanto um fato histórico ainda recente provocou mudanças sociais muito grandes no contexto feminino, mudanças que percebo ainda estão sendo absorvidas pelo universo feminino.
O lugar materno na minha percepção foi um dos papéis mais afetados neste processo. Na medida em que a mulher passou a ocupar um lugar profissional de maior destaque, o que fez com que ela estivesse mais tempo fora de casa e consequentemente distante do universo materno possibilitou que o homem começasse a ocupar um lugar maior neste universo. Se por um lado ocupar este lugar é uma cobrança do universo feminino, por outro também pode representar um risco de perder o espaço que culturalmente sempre foi reservado à mulher. Desta forma surge um conflito muito grande: o mundo externo é atraente e incita a ser explorado, o mundo interno, o conhecido, é seguro e dividi-lo causa temor: o lugar materno hoje, muitas vezes, é mantido às custas da desqualificação do lugar paterno.
No momento em que a justiça reconhece a paternidade jurídica, distanciando-a da base biológica, reconhecendo a importância do lugar do masculino na vida das crianças/adolescentes, oferece aos filhos a oportunidade de poderem optar a partir de certa idade para ficar com o genitor com quem melhor se identifica, após a ruptura da sociedade conjugal de seus pais. Essa ameaça ao genitor alienante é um dos elementos que reforçam seu “trabalho” alienante junto aos filhos.
Infelizmente é uma prática comum no Brasil a de que o genitor que detenha a guarda exerça sozinho o poder familiar. Tal prática é uma afronta à Lei além de prejudicar os filhos que se vêem impedidos do direito à ampla convivência familiar assegurada pela Constituição Brasileira. Ao se sentir inviolável, muitas vezes, na percepção de Lima (2008), o guardião vale-se do direito da guarda unilateral para praticar atos que atentam contra a dignidade dos filhos.
Residir em companhia de um dos pais é um ajuste necessário às circunstâncias criadas pelos genitores. Tal fato não assegura que, o genitor com quem o filho reside seja mais importante do que o outro que se vê relegado a ter a companhia dos filhos por pouco tempo como punição à separação.
Eu gostaria de levantar ainda uma outra preocupação: o papel que a justiça, o ministério público, a defensoria pública e os serviços psicossociais têm exercido na análise da SAP.
Entendo ser difícil acreditar que um genitor, que na sua essência deveria ser o protetor dos filhos passe a ser o seu agressor.
Pensar um pai ou uma mãe usando seus filhos como “bala de canhão” na sua guerra particular é muito dolorido. Entretanto temos observado um aumento da SAP que tem assustado, e associado a isso uma negação por parte dos agentes da justiça, do ministério público e dos serviços psicossocial da sua existência.
O desconhecimento dos meandros que envolvem a SAP é na minha percepção uma das razões desta negação. Entendo que a proteção integral à criança e ao adolescente, presente na nossa Constituição Federal e princípio básico do Estatuto da Criança e do Adolescente, associado às sutilezas com que o alienador na maioria das vezes se utiliza, nas falsas denúncias praticadas por este, confundam o sistema judiciário.
Entretanto vemos crianças e adolescentes, além do genitor alienado, sofrendo as conseqüências desta doença familiar, sem que providências urgentes sejam tomadas em sua defesa.
Pensar nas conseqüências para uma criança ou adolescente que passa meses ou até anos alijados da presença do genitor, sendo alienados na sua percepção deste, sem que ele, mesmo repleto de provas seja ouvido pela justiça, preocupa. Os transtornos ocasionados a este sistema familiar são muito grandes, e muitas vezes sem possibilidade de resgate para estes.
Diante disso, gostaríamos de terminar deixando essa preocupação como alerta. Precisamos olhar para a SAP como um grito de socorro por parte do genitor, que em seu comportamento alienado e alienador, ao não conseguir enxergar além de si próprio, provoca um grande sofrimento em todo o seu círculo familiar e pede limite a todos nós.

Bibliografia
ARAÚJO, S. M. B. (2006) “Pai aproxima de mim esse cálice: significações de juízes e promotores sobre a função paterna no contexto da justiça”. Tese de doutorado defendida junto à Unb.

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